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Tragédia em Mariana: Dois anos depois, moradores ainda aguardam reconstrução.



Há dois anos, a folha do calendário das casas de dois distritos de Mariana e um de Barra Longa, em Minas Gerais, foi virada pela última vez. O dia 5 de novembro de 2015 se eternizou nas paredes das casas que ficaram de pé em Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira. Desde então, a vida dos atingidos pela lama da mineradora Samarco está suspensa – 730 dias depois do rompimento da Barragem de Fundão, ainda se espera o reassentamento, a indenização, o rio límpido, cujas ações de reparo, complexas, enfrentam atrasos e obstáculos que desafiam os órgãos envolvidos.

A espera e a mudança brusca de vida se transformaram em depressão nas comunidades. Algumas pessoas não viveram para testemunhar as mudanças. Seus parentes apontam a tristeza como o agente catalisador dos problemas de saúde. São os novos mortos da tragédia de Mariana. A Agência Brasil e a Rádio Nacional veiculam uma série de reportagens sobre a situação nas áreas atingidas pela lama, tragédia que completou dois anos no domingo (5).

"Meu pai morreu de tristeza"


Enquanto faz arroz na cozinha da casa alugada e mobiliada pela mineradora Samarco, na sede do município de Mariana, em Minas Gerais, Leonídia Gonçalves (foto) , de 46 anos, lembra que um dos maiores prazeres do pai, de 67 anos, Alexandre, era tocar viola e jogar baralho todas as noites, no bar de Paracatu de Baixo. As filhas dela, gêmeas, brincavam na rua quando queriam. Todos moravam lado a lado. Agora, essa é uma lembrança que não se repetirá nem mesmo quando a família for reassentada na nova Paracatu, que deve ser construída como reparação. Alexandre morreu em março deste ano, de infarto.

A agricultora tem a convicção, no entanto, de que a causa verdadeira da morte é a depressão. Seu pai foi diagnosticado e chegou a tomar medicamento para tentar reverter a doença. “A gente era feliz. Tinha de tudo. Hoje, tá todo mundo distante. Lá era todo mundo família, era um na casa do outro, à noite a gente ficava na rua, não tinha perigo de nada. E chegando à cidade agora a gente se assusta”, relata, ao falar sobre a mudança de hábitos do meio rural para o urbano.

Quando os 39,2 milhões de metros cúbicos de rejeito avançaram pelo Rio Gualaxo do Norte (afluente do Rio Doce) e chegaram às ruas de Paracatu, um modo de vida foi soterrado. Para abrigar os moradores, a Samarco alugou residências na cidade de Mariana, de acordo com a disponibilidade do mercado, sem que as casas dos familiares ficassem próximas. Os atendidos devem aguardar até que o novo distrito seja construído.

Foi assim que Alexandre e Leonídia viraram moradores de bairros diferentes. O aposentado, transferido de casa mais de uma vez, mudou também de hábitos. Não saía de casa, emagreceu de forma repentina e, hipertenso, passou a adoecer com frequência. Os filhos o levavam ao médico, mas ele não se recuperava. Ficou depressivo. E é das últimas palavras que trocou com a filha que a agricutora tira a argumentação mais forte sobre o motivo de sua morte.

Dois anos depois atingidos por barragem em Mariana ainda não foram indenizados.


O rompimento da barragem de Fundão, pertencente à Mineradora Samarco, afetou pelo menos 500 mil pessoas ao longo de 670 km de curso d'água da Bacia do Rio Doce. O número inclui desde pessoas que tiveram familiares mortos e casas destruídas até os que sofreram a interrupção do abastecimento de água em 39 municípios.

A tragédia provocou uma avalanche de processos judiciais, levou à criação de ações civis públicas e criou a necessidade de vários tipos de indenização. A situação mais crítica é a dos atingidos de Mariana, onde os rejeitos provocaram os maiores estragos. Um acordo para ampliar quem tem esse direito e estabelecer de que forma será calculada a indenização só foi fechado no último mês de Outubro,

A maior dificuldade das vítimas, segundo a Comissão de Atingidos da Barragem de Fundão, é a definição do que faz da pessoa uma atingida. São casos como o de Marlene Agostinho Martins dos Reis, de 45 anos, que morava na cidade de Mariana, mas tinha a mãe morando em um sítio em Pedras, povoado do mesmo município que foi atingido. Embora a lama não tenha afetado a casa de Marlene, mudou sua vida. Manicure e cabeleireira, deixou o serviço depois da tragédia para cuidar da mãe. A idosa sofreu danos psicológicos severos e sua hipertensão ficou descontrolada.

Ela argumenta também que perdeu acesso a alimentos com o soterramento do sítio. “Quando eu vou na reunião com os funcionários da Samarco, perguntam assim: o que você perdeu? Eu perdi sim, porque eu dependia da minha mãe. Eu moro aqui em Mariana, mas verdura eu não comprava. Não comprava frango, ovos, fruta, queijo, leite. Verdura fresquinha, peixe. Meu tio tinha uma lagoa lá do tempo do meu bisavô. E lá a gente pescava, no rio, na lagoa. Então era uma coisa maravilhosa da gente. A gente perdeu tudo”.

FONTE: AGÊNCIA EBC.


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